Há quem apenas exista. Há quem viva.
Nos passos da multidão é fácil seguir a mesma corrente. Mesmo nos sentindo como alguem à parte, um mundinho à parte na galáxia imensa da via láctea, mesmo assim...nos iludimos com essa falsa independência.
Então, vamos andando andando e...paramos. Olhamos para trás. Onde estou? Quem são estas pessoas? De onde vim? PARA ONDE VOU?
E estamos, subitamente, no escuro. Rodeados de estranhos. Sentimos a brisa dos corpos que passam, mas... nada é real. Estamos sós. Olhares perdidos na mescla de constelações que compõem a escuridão imensa de uma casa sem janelas nem portas. Não se entra nem se sai. Apenas...estamos ali.
E vês no que te tornaste. Paraste de pensar, paraste de ouvir aquela música. Paraste de fazer sentido. Já não és tu. És algo. Um ponto microscópico no espaço sideral.
Todas as concepções que criaste na tua cabeça enquanto palmilhavas trilhos gastos, a ilusão de seres tu, um entre a multidão, mas não parte dela... Tornaste-te um corpo vindo de uma produção em série. Sem visão, sem ambição, sem qualquer elemento diferencior. És apenas o número que trazes impresso no braço.
Ai, do nada, tu sentes alguém dentro de ti a vir à tona no teu oceano particular. Ela da um grande suspiro de alívio. Suga o ar precioso que o teu acordar lhe despertou. Ela foi puxada varias vezes. Olhares, alguem te tentou puxar o braço varias vezes, enquanto indiferentes seguias a rota dos iguais. É uma sensação boa de liberdade, por entre confusão. Perguntas e mais perguntas vêm como balas de canhão. Mas ai percebes que nada importa. Ela está ali à tona, o teu verdadeiro eu. Ela voltou à superficie depois de mergulhada na indiferença dos dias fabricados pela sociedade.
E ela vê melhor que tu. Ela és tu. O teu verdadeiro eu. O que sabe a verdade sobre ti. É a enciclopédia do teu ser, que te veio dizer "Acorda". Ela notou aquele olhar. Há alguem, muito longe, mas sim, agora vês. Está alguém, igualmente parado a olhar para ti. Tem os olhos molhados, e respiração acelarada. Veio a correr, tentou te agarrar, enlaçar a sua mão na tua, atar o seu destino ao teu. Tu sentes tudo. Ele usou muitas palavras. Tu não ouviste ou não entendeste, não interessa... Mas agora, no silêncio dos espaços vagos deixados pelos satélites que seguem a rota comum dessa tal multidão...agora, não são precisas palavras. Agora sabes. Ela sabe. A que está à tona, cansada de lutar, de gritar, de tentar chamar a tua atenção...ela sabe quem ele é. Ela sorri, e sente-se salva.
Mas...
Tu não tens força nas pernas. Depois da longa caminhada inútil, estás sem forças. Deixaste-te cair de joelhos. E agora? Será que ele desistirá de vez de ti, será que tudo morrerá à beira da praia? Já paraste várias vezes. O teu eu já veio à superficie, e a sociedade tentou afoga-la outra vez. Fechas-te os olhos, e continuaste a caminhar. Mas agora é diferente. Estás parada, não continuaste como antes. Mas estás de joelhos. Será que ele ainda chegará a ti? Será que ele vai desistir?
É bom acordar. Mas às vezes acorda-se tarde demais. Espero que não seja o meu caso. Estou cansada, e tudo o que queria era ter-te aqui...Ai sim, poderia caminhar no meu sentido, no nosso, e não no sentido dos outros. Mas há situações que se arrastam por muito tempo. E basta um desistir.
Preciso de mudar tudo. Preciso lutar, ser forte, ser firme. Preciso ser sonhadora, optimista. Preciso ser eu.
Ela está à superfície, a recuperar as forças. E eu sei que ela vai sair desse oceano. Eu sei que vou ser eu outra vez, e vou encontrar o meu caminho para a felicidade. Mas agora pode já ser tarde demais... Amar só não basta. Há que ter quem amamos e quem nos ama ao nosso lado. Mas quando tudo conspira contra, pode não se chegar a viver nada...
Estou a voltar.